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A casa das hortênsias

A casa das hortênsias

Crônicas de Janeth de Oliveira Silva Naves

Havia, na rua da minha infância, um jardim que chamava a atenção. Era pequeno, mas tinha um diferencial – um maciço de hortênsias que, todos os anos, na estação das chuvas, exibia enormes cachos de flores azuis. Nas grades, que ladeavam o portão de entrada, havia uma trepadeira de amor-agarradinho que, na mesma época, ficava coberta por florezinhas cor-de-rosa, pendendo em caracóis. Eu, ainda criança, passava por ali e me encantava com a beleza daquelas flores e com o contraste entre o rosa e o azul.

Naquela casa morava dona Rita, uma mulher elegante e discreta. Ela, às vezes, parava no nosso portão para conversar com minha mãe. Eram rápidas palavras, uma demonstração de que, apesar de muito ocupadas, elas tinham consideração e respeito uma pela outra.

Um dia, ouvi falar que um de seus filhos estava desaparecido. Ninguém sabia por quê, nem para onde ele teria ido. Mais uma vez, percebi aquele tom grave e velado nas conversas dos adultos. Minha mãe demonstrava pena e preocupação com a vizinha. "Imagina, não saber assim do paradeiro de um filho? Deve ser terrível!" E eu pensava por que mamãe não lhe fazia uma visita.

Havia alguma coisa no ar que eu ainda não compreendia. Os acontecimentos eram confusos, mas dava para perceber que as pessoas estavam temerosas. O fato é que dona Rita agora passava silenciosa e não parava no nosso portão; andava de cabeça baixa, visivelmente mais magra e mais triste. Contudo, ainda cuidava do seu jardim. Eu podia vê-la através das grades quando passava diante da sua casa.

Muito tempo depois, não me lembro quanto, soubemos que o filho dela estava preso. Voltara para o Brasil depois de ter morado por um tempo fora, em um país que eu nunca ouvira falar o nome, mas não era a França, para onde fora, às pressas, aquele padre amigo da nossa família. Na minha cabeça de criança, várias perguntas se embaraçavam umas nas outras: será que o filho da vizinha fora embora pelo mesmo motivo que o padre? O que eles teriam feito? Por que não podiam voltar? – eu não conseguia compreender inteiramente, ouvindo, pelas metades, as conversas dos adultos. A única certeza que eu tinha, era que estavam acontecendo coisas que causavam medo e sofrimento às pessoas.

Décadas depois, vi o filho de dona Rita no jornal. Uma foto pequena, em preto e branco, ilustrava a reportagem sobre um de seus projetos como deputado federal. Na fotografia, ele estava bem mais velho e muito diferente, não fosse pelo nome eu não o teria reconhecido.

Naquele dia, ao visitar minha mãe, passei diante da casa das hortênsias e elas, para minha surpresa, estavam floridas. De relance, pensei ter visto dona Rita, por entre as grades. Ilusão! A família se mudara dali havia muitos anos, e ela faleceu pouco depois.

Quem passa distraído por aquele jardim não imagina a sua história: quem o plantou, o que pensava quando o regava, que dores sofria ao colher as suas flores, ou se chorava ao rezar diante de um altar enfeitado de cor-de-rosa e azul.

Janeth de Oliveira Silva Naves

Janeth de Oliveira Silva Naves é farmacêutica, doutora em Ciências da Saúde e professora aposentada da UnB. Vive em Brasília e tem se dedicado aos cursos de escrita e à produção de textos. Participou de nove antologias e publicou o seu primeiro romance, Saudade da Chuva, em 2023.

 

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