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A escrita de diálogos

A escrita de diálogos

por Bruna Tessuto

É bastante discutido literariamente se, ao escrever um diálogo, a escrita deve reproduzir o jeito "errado" como falamos ou se deve seguir a norma mais padrão. Os próprios autores e editores pensam de forma diferente. Jane Tutikian (foto), por exemplo, defende que, se achamos o tom do personagem, não precisamos trazer o "erro" para reproduzir a fala. Marcelo Spalding (foto) e Rodrigo Rosp (foto) apostam no contrário: defendem que é justamente o "erro" que traz verossimilhança ao diálogo.

Nelson Rodrigues, conforme conta Marçal Aquino, dizia que o escritor deve "tomar mais cafezinho". Ou seja, sentar em uma cafeteria e ficar ali ouvindo as pessoas ao redor conversarem. A escuta atenta ao modo como as pessoas falam cotidianamente é que daria ao escritor ferramentas para produzir um diálogo mais "escutável", mais convincente, aquele em que temos a sensação de que estamos realmente ouvindo os personagens falarem. Segundo Marçal Aquino, é interessante que essa escuta enquanto estudo seja feita sem que as pessoas percebam que estão sendo ouvidas, para assim termos acesso ao "material" de forma mais natural. O autor comenta que, nas décadas passadas, costumava ficar ouvindo conversa alheia na linha cruzada de telefone. Tudo isso para acessar a fala de forma mais espontânea, natural, e assim ter mais ferramentas na elaboração dos diálogos.


DICAS PARA ESCREVER DIÁLOGOS

  • Personagens não devem falar de modo didático sobre o que já sabem só para que o leitor fique sabendo. A fala "você lembra que dois anos atrás no acidente de carro que matou nossos pais você chorou muito?", nesse sentido, não é uma frase em que o leitor vai acreditar. Isso porque, entre os irmãos, eles não precisariam explicar um para o outro de qual acidente estão falando. Logo, a fala fica mecânica e não fica crível.
  • O leitor, ao ler um diálogo, deve ter a sensação de ser um ouvinte oculto. O que os personagens falariam somente entre eles sem saber que alguém (o leitor) está presenciando?
  • Assis Brasil diz que "o diálogo é intencional e tudo que é supérfluo deve ser evitado para que essa intencionalidade não se perca". É interessante pensar o diálogo com a lógica do miniconto: nele está somente o que precisa e é como um chute de pênalti para marcar o gol. Dentro disso, entra também o subtexto, o principal não é dito de forma explicada.
  • Muito falamos sobre diferenciar o modo de um personagem falar do modo do outro. E isso não precisa ser tão complexo quanto parece. Podemos, para diferenciar uns dos outros, começar pensando uma única característica para cada. Por vezes, ao escolhermos uma expressão que o personagem tem mania de falar, já encontramos a sua diferença para os demais. Escolhendo uma característica para cada, já vamos os diferenciando. Com isso, temos o que tem mania de falar a tal expressão, o que usa frases mais longas por ser prolixo, o que usa frases mais curtas por ser mais direto. Importante, claro, que essa escolha tenha relação com a construção do personagem.
  • Quando for caracterizar o modo de falar de acordo com a idade, lugar onde mora ou classe social, por exemplo, cuide com os "achismos" para evitar estereótipos. Procure pesquisar antes de escrever e, se possível, tenha um primeiro leitor que se enquadre na característica escolhida.

Bruna Tessuto

Bruna Tessuto formou-se em Teatro pela UFRGS e é graduanda em Letras pela mesma universidade. Atua como editora e promove mentorias em parceria com a Metamorfose, onde também coordena grupos de leitura e escrita e atua como professora no Curso de Formação de Escritores, do qual é egresssa. Lançou os livros "Os bastidores de Emma" (2018), "Pela voz delas" (2022), livro em que ficcionalizou depoimentos de mulheres reais, e "Até que o divórcio vos reúna" (2024), todos com ficcionalização de histórias reais. Desde 2020 interpreta a fantasma Dulce Miranda nas Visitas Guiadas do Theatro São Pedro

 

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