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Cotidiano Fantástico: como se inspirar no dia a dia para escrever

Cotidiano Fantástico: como se inspirar no dia a dia para escrever

Dicas de Escrita de Carol Canabarro

Cotidiano Fantástico: como se inspirar no dia a dia para escrever

Um menino que ri para o mar enquanto entra de costas em suas águas. Um cachorro que late, mas o som simplesmente não sai. Uma garçonete que serve as bebidas preferidas dos clientes, tão logo eles apontam na porta do restaurante - mas que nunca tem uma caneta à mão para anotar os pedidos.

Eventos de uma terça-feira comum ou vislumbres de mistérios revelados? Para nós, escritores, há um sem-fim de aparências que podem carregar verdades profundas. Fontes capazes de jorrar encantamento, identificação e transcendência nos leitores que veem as mesmas coisas, mas não reparam.

Assim como Julia Dantas, mergulhada nas próprias dúvidas sobre maternidade, fez nascer A mulher de dois esqueletos, Isabel Allende (foto) emprestou o Chile de sua infância para nacionalidade de sua Emilia Del Valle. Patrícia Xavier, com olhar afiado de jornalista-escritora, fez de reportagens a matéria-prima para um livro de contos. Exemplos de como a escrita atravessa - e é atravessada - pela realidade.

Acostumamos nossos olhos à sombra da rotina, e por isso podemos nos surpreender ao redirecionar o olhar para a beleza que nos cerca. Criar (ou recuperar) o hábito de identificar o fantástico no cotidiano é menos sobre talento e mais sobre foco. Mas como fazer isso?

Cada escritor deve encontrar seu próprio caminho, mas aqui vão algumas dicas (extra)ordinárias que podem lubrificar suas pálpebras – sem lacrimejar – e te municiar na criação de enredos, personagens, conflitos fantásticos. Vê:


1. Registre seus sentidos

Perceba a si mesmo no mundo. Que barulho é insuportável para você e totalmente aceitável para os outros? Qual cheiro abre seu apetite? Como você pisca quando está envergonhada? Seus sentidos podem ser o ponto de partida para caracterização de uma personagem.


2. Empreste os pensamentos que você jamais compartilharia

Sabe aquele "pensamento intrusivo" ou "ideia de jerico" que você teve e que, de tão absurda, não pode ser dita em voz alta? Pois é, ele pode ser o estopim do conflito na sua história. Você talvez não ponha em prática a ideia de abrir uma fábrica de pirulito na Irlanda - mas sua personagem pode viver em função disso.


3. Pessoas reais, personagens verossímeis

A risada de boca de gamela de sua amiga pode ser perfeita para interromper a cena de um funeral. As duas batidinhas que seu marido dá com a escova de dentes na pia pode ser o gatilho para separação de suas personagens. A casa da matriarca no seu livro pode ter aroma de Alma de Flores – o mesmo perfume de sua avó. As pessoas e situações à sua volta são uma fonte inesgotável de possibilidades.


4. Crie vidas para desconhecidos

Escolha uma pessoa aleatória e desconhecida na rua. Agora, dê-lhe uma vida, um propósito, um sonho desfeito, uma grande comemoração. Imagine de onde está vindo e para onde está indo. Quando ? e por que ? chorou pela última vez? O que parece só uma brincadeira pode vir a ser a base para seu próximo conto.


5. Mergulhe – de maneira consciente – na internet

Separe um tempo limitado para fuçar nas redes socias. Olhe páginas de memes, leia comentários, veja o que as pessoas estão dizendo e fazendo por lá. A internet é uma nuvem gigantesca de criatividade e pode ter o conteúdo que você precisava para o cenário inusitado da sua história. Ou você conseguiria imaginar sozinho pessoas quebrando a maior rapadura do mundo com picareta, como acontece em Pindoretama-CE? (Alerta: use um cronometro para essa atividade!)


6. Dê (ou descubra) significado para suas ações

Toda semana, durante minha sessão de terapia online, sou interrompida pela servidora do prédio recolhendo o lixo. Percebi, há poucos dias, que tenho me livrado do lixo material e mental ao mesmo tempo. Muito provável que use essa "sacada" para uma crônica. Acontece algo parecido com você?

Como disse o sociólogo Michel Maffesoli: "Todos os aspectos da vida cotidiana nos remetem, de maneira mais ou menos explícita, ao ludismo".

E que é o escritor, senão um grande brincalhão diante da realidade?

Jogue-se na própria vida ? e desvele, no seu cotidiano, o fantástico.

Carol Canabarro

Carol Canabarro, apaixonada por literatura e animais. Foi atleta, garçonete, especuladora financeira, professora. Morreu duas vezes, ressuscitou em ambas. Hoje é escritora, egressa do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, autora da narrativa longa "Mirando o gol, acertando as estrelas", colunista no próprio site, aluna na pós-graduação em Literatura, Arte e Filosofia da PUC-RS e serva de quatro gatos.

 

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