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Destino

Destino

Crônicas de Júlia Telles Tiburzio Andare

Cheguei aqui no ano passado. Fui produzida na cidade de São Paulo, mas meu destino foi Pouso Alegre, Minas Gerais. Uma garota de cidade grande, agora, no interior. O caminho até aqui foi conturbado. Presa em uma caixa de papelão, sem praticamente nenhum ar circulando. A compensar esse tormento, ela parecia ansiosa pela minha vinda. Não estava em casa quando o entregador chegou. Teve que sair correndo, de sei lá onde, para me receber. Escutei tudo pelo telefone do entregador:

- Me espera! Já estou a caminho de casa - disse a voz jovem.

De dentro da caixa, ouvi ela e o entregador decidindo qual seria a melhor maneira de me subir para o apartamento. Decidiram pela garagem, pois a porta de entrada do edifício era pequena demais. Apesar de merecer a cobertura, ouvi segundo andar. Carregada de um lado para o outro, no breu, finalmente pude ver uma frestinha de luz se abrindo e o rosto iluminado da moça ao me ver. Ela me olhou, como se já me esperasse há muito tempo.

Não fixou de maneira correta minhas peças, mas isso não impossibilitou meu uso. Ligou para o namorado e contou sobre minha chegada. Ao me ver, ele também me elogiou. Parece de madeira mesmo. Fiquei muito ofendida. Do que mais eu seria, plástico?

Os gatos passaram a me rodear. Um preto e o outro tigrado. Me cheiravam, subiam e desciam, inspecionando cada milímetro do meu corpo. O preto vive em cima de mim, dorme, toma banho e olha a vista. No começo me incomodava, mas acabei me acostumando. Confessando-me, até gosto.

Eu, com meu estilo moderno, em madeira louro freijó pura, tamanho grande e estrutura reforçada, estou sendo tratada como uma joia pelos mineiros, mesmo sendo só uma mesa.

Júlia Telles Tiburzio Andare

Escrevo desde que me entendo por gente, mas por muito tempo guardei as palavras para mim. Agora, escolho dividi-las, acreditando que a escrita pode transformar a mim e a quem lê. Mineira, arquiteta e graduanda em Psicologia, encontro na reflexão o ponto de partida para cada texto. Não busco respostas prontas, apenas perguntas que ecoam. Quero ir além, e para mim, esse caminho começa na palavra.
 

 

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