por Ana Mello
No começo era só curiosidade - uma janela em branco, um cursor piscando feito vaga-lume, e eu perguntando à máquina o que perguntar para a máquina. Dois anos depois, descubro que a janela não é um abismo - é uma porta.
Comecei a aprender engenharia de "prompts" para fazer as perguntas certas. Testei versões gratuitas, pagas, vários modelos. Fiquei com o ChatGPT porque ele atendeu minha expectativa e os artigos e livros que li indicavam como a melhor IA para geração de textos. Aprendi que ele não pensa por mim - ainda bem. Ele propõe. Eu disponho. Ele estica padrões. Eu escolho as quebras.
No início de 2025, decidi escrever uma novela. Pedi à IA que brincasse comigo de sinopses: dez, vinte, trinta versões. Li e reli todas e fiquei com uma. Depois pedi rostos e criei imagens dos personagens, dei a cada um uma personalidade. Montamos um roteiro de cenas e, à medida que testava alternativas, a história mudava de roupa sem trocar de pele. O projeto virou livro, Corpos Trocados.
A lição maior foi simples: a IA é prótese, é ferramenta. Uma mão extra que segura a lanterna enquanto você decide por onde seguir. E nessa trilha anotei lembretes para me guiar que compartilho aqui:
Para usar bem, não basta apertar botões. É preciso conhecer o ofício - forma, ritmo, ponto de vista, essas ferramentas analógicas que não falham quando a internet cai. A IA não escreve livro sozinha com um pedido educado; ela ajuda a escrever cada etapa sob o comando do escritor.
Talvez o mais bonito dessa coautoria seja a conversa. Ela devolve possibilidades. Eu corto, troco, enxerto. O texto vai desbastando a si mesmo. A cada versão, menos explicação e mais gesto. A IA me poupa o tranco da primeira marcha, porém sou eu quem dirige.
Gosto de pensar nisso como um pacto: a máquina me oferece o mapa, e eu escolho a trilha. Ela aponta o atalho, eu aceito o desvio. No fim assino o que entendo e sustento. A responsabilidade da frase é minha, inclusive quando erro o advérbio.
Coautoria, aqui, é método, não muleta. Ganho tempo para imaginar melhor. Troco o pânico do vazio pelo laboratório de possibilidades. E isso, para quem escreve, é uma forma de futuro.
Quando Corpos Trocados encontrar o leitor na Feira do Livro, talvez alguém me pergunte quem, afinal, escreveu. Direi a verdade simples: escrevi eu, com ajuda. A IA foi o laboratório aberto de madrugada, a lupa que não treme, a mesa onde espalhei as peças. O resto - o risco, a escolha, o silêncio entre duas frases ? foi obra daquilo que nenhuma máquina simula completamente: o coração que insiste, o ouvido que escuta a cadência, e a mão que, ao fim, aceita parar.
1. Sementes - traga memórias, imagens, objetos-âncora.
Prompt: "Liste 12 imagens fortes sobre [tema] em 8–12 palavras, sem metáforas prontas."
2. Exploração - peça sinopses/variações.
Prompt: "Gere 6 sinopses de 2 frases, tons distintos (tenso, lírico, irônico?)."
3. Cenas com marcadores - esqueleto rápido.
Prompt: "Descreva 5 marcadores de uma cena no [lugar], com gesto decisivo e objeto-símbolo."
4. Rascunho guiado - escreva curto e avance.
Prompt: "Escreva a cena em 180–220 palavras, poucos adjetivos, foco em ação visível."
5. Refino de voz - reencarne seu léxico.
Prompt: "Reescreva mantendo estas palavras/ritmos [lista], cortando abstrações."
6. Crítica cirúrgica - peça diagnóstico técnico.
Prompt: "Aponte 5 fragilidades (mostrar×contar, ritmo frasal, imagem concreta) e proponha 3 cortes."
7. Coesão - versão de envio - ajuste formato e paratextos.
Prompt: "Ajuste para [n] toques, proponha 3 títulos e 1 mini-bio (90–120 caracteres)."
- Criação local:
"Gere 10 premissas de conto em Porto Alegre no inverno, sem clichês, 12–15 palavras."
- Cenas com objeto-símbolo:
"Transforme [premissa] em 3 cenas curtas com um bolso que guarda um segredo."
- Refino de ritmo:
"Reescreva o parágrafo em frases curtas, priorizando verbos de ação; elimine advérbios onde possível."
- Checklist crítico:
"Diga: (1) onde estou explicando demais; (2) onde falta gesto; (3) qual imagem pode virar título."
- Versão concurso/revista:
"Ajuste para 1500–1800 toques; proponha 3 títulos e 1 linha de bio."
Nasci em São Leopoldo, sou licenciada em Ciências e Matemática pela Unisinos. Atuo profissionalmente como técnica Química. Fiz especialização em Informática na Educação e em Educação a Distância com ênfase na Docência e na Tutoria em EAD pela PUCRS. Ministro oficinas de crônicas, minimalismo e poesias online e presencial. Coordeno um grupo de criação literária na Metamorfose Cursos.
Livros Publicados
Minicontando
Perseu & Medusa (em parceria com Lais Chaffe)
Ana, Babá de Bichos
Para onde vão os objetos perdidos
Verbetrix
Histórias da Clarinha
Poesia Projetada
Nas patas dos Gatos
Minicontos Periciais
Desafio Poetrix (em parceria com Mario Ulbrich)
Palavras de Quinta (organizadora e autora)
Escrever é Normal (organizadora)
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