por Ana Maria Otoni Mesquita
De fato, eu nunca entendi esse apreço de tantas pessoas pelas séries coreanas-disse Luzia
A prima fez uma careta e retrucou – isso porque você não gosta de séries e portanto, nunca prestou muita atenção na estética, no conteúdo e na narrativa.
Samanta descobrira esse universo durante a pandemia de covid 19, que afetou o mundo inteiro, severamente, entre os anos de 2019 e 2022. Para evitar a contaminação o Brasil, a partir de março de 2022 decretou o estado de confinamento e o uso obrigatório de máscaras nas ruas e em ambientes fechados e álcool gel, pois descobriu-se que o vírus era transmissível por via oral e o contato físico, especialmente, as mãos. Portanto, a população deveria evitar sair de casa, lavar as mãos com frequência e higienizar objetos. As circunstâncias levaram Samanta a manter o seu trabalho formal de meio turno, ler, escrever e assistir séries, como há muito não fazia.
Um outro interesse começou a despertar em Samanta, como se não tivesse ocupação nesses dias de apreensão. Um amigo que gostava de cinema e poesia iniciou um curso de escrita criativa e estava insistindo para que ela fizesse também.
Samanta sempre ficava irritada com o, quase desprezo, de Luzia, sua prima aposentada, pela indústria cinematográfica coreana – uma quantidade de novelas água com açúcar, alimentando mentes vazias - sentenciava ela. O que para uma fora uma descoberta relevante, uma inovação da linguagem cinematográfica que revigorou sua crença nesta arte, para a outra não passava de material quase descartável.
Por muitas vezes, a conversa assumiu um tom de ofensa em relação à Coreia do Sul. Recentemente, ao elogiar o parlamento sul-coreano que em união com a população, revogou de imediato, a lei marcial decretada pelo presidente de extrema direita Yoon Sul-yeol, do dia para noite, a reação de Luzia foi desconcertante: não vou mais discutir, cada uma que fique com suas ilusões. Um dia brasileiro vai aprender a não idolatrar país algum. E aprender que é possível gostar de outro país sem ter a síndrome de vira-lata.
A confusão entre admirar a indústria cinematográfica coreana e, asiática por extensão, e querer morar na Ásia, passara dos limites do tolerável. Já havia morado em algumas das cidades mais importantes do mundo, mas sempre escolhera o Brasil para viver, retrucou Samanta. Entretanto, desta vez, a prima sentiu o peso das interpretações irascíveis de Luzia.
Eram duas visões completamente diversas sobre o fenômeno da indústria do entretenimento asiática, com destaque para a coreana. A conversa das duas não saia do lugar há, pelo menos, cinco anos, quando Samanta recebeu um convite para visitar o país asiático. Como professora de literatura portuguesa, conhecia a literatura coreana apenas para conversas amenas entre amigos. Mas o fato da escritora coreana Han Kang ter recebido o prêmio Nobel de Literatura de 2024, despertou sua atenção. Como afirma um amigo com trânsito em instituições multinacionais: há países que alardeiam tudo que fazem, mas entregam pouco. Já outros, trabalham quietos, com determinação e quando aparecem fizeram uma revolução. Parece ser um modus operandi de alguns países asiáticos como China e, também, a Coreia.
A lembrança de Samanta era do impacto da primeira série assistida. O resumo informava que era a história de um senhor aposentado que resolveu realizar um sonho de infância: estudar ballet e se apresentar no palco como bailarino. Impressionada pelo inédito do argumento, decidiu ir além para explicar aquele fenômeno. Descobriu que aquelas séries televisivas coreanas eram parte de uma história que começara nos anos 90 na Coréia do Sul, com o movimento chamado de hallyu ou onda coreana, que envolveu produção cinematográfica, artes marciais, gastronomia, tecnologia, e muito mais. No pós-segunda guerra mundial, foram os japoneses que criaram os primeiros doramas, a pronuncia japonesa para drama, pois não há a pronuncia "dr" em japonês.
A princípio Samanta houvera se encantado com a linguagem dos kdramas. Mas logo descobriu as series com temas históricos. A Coréia conseguiu expulsar os japoneses de seu território, após uma disputa sangrenta de 35 anos. Enquanto isso, as potências imperialistas (Estados Unidos e Rússia) disputavam o território coreano.
O afamado kdrama Pousando no Amor foca no momento seguinte de ruptura, crucial na historia do país. Ao fim da segunda guerra mundial, o resultado das disputas das potências foi a divisão do país em Coreia do Sul aliada dos EUA e regime de governo capitalista e Coreia do Norte aliada da Rússia. E o comentário de Luzia que voltava com frequência à cabeça de Samanta, os Kdrama são apenas novelas água com açúcar, são só comédias românticas, ficava cada vez mais inadequado, evidenciando o desconhecimento do conteúdo, uma distorcida interpretação dos fatos. Além das temáticas históricas, outras series que foi assistindo traziam fenômenos socio-culturais conflitantes que caracterizam a sociedade atual.
O romantismo foi a linguagem que os criadores dessa onda coreana escolheram para se comunicar com o mundo e Samanta passou a compreender o impacto dessa abordagem filosófica tem de falar aos sentidos, de falar ao coração.
Alguns dados históricos e geográficos:
A Coréia do Sul é um país do sudeste da Ásia, aproximadamente com uma área semelhante ao estado de Pernambuco, Brasil mas com uma população....um país rico com uma cultura que preserva os valores familiares tradicionais, sociedade competitiva e é considerado pelas estatísticas populacionais, o país mais deprimido do mundo e o primeiro em índice de suicídio. Hierarquia social rígida e muita pressão por desempenho. Mas no que diz respeito aos homicídios o índice é pequeno e a relação entre suicídio e homicídio se inverte com o Brasil.
No passado mais remoto a Coreia enfrentou a invasão cultural da China, quando a escrita era feita com ideogramas chineses e a Coreia era uma monarquia. O rei Sejong, o Grande, o quarto rei da dinastia Joseon, que governou a Coreia entre 1418 e 1450, foi fundamental para o desenvolvimento da cultura coreana, pois ele observou a dificuldade do povo em aprender os ideogramas pois eles eram complexos o que aumentava ou mesmo impedia o povo de aprender a ler. Em janeiro de 1944, com a ajuda da Academia Real, o alfabeto foi finalizado com título de Hunminjeongeum ("Os sons apropriados para a educação do povo"). Desde então o dia 9 de outubro foi instituído o dia do Hangul, na Córeia.
Entretanto, a história do país é permeada de períodos de dominação e de muito sofrimento . O belo Kdrama Mr. Sunshine versa sobre a saga dos coreanos para expulsar os japoneses que haviam dominado a Coreia entre 1910 e 1945, que foram de muitos conflitos, disputas e violência.
Influência do Romantismo
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Natural do Rio de Janeiro, antes de realizar o curso de Formação de Escritores na Editora Metamorfose, foi Psicóloga Clínica e funcionária Pública da Saúde Estadual do RJ, com doutorado em Ciências pela Ensp-Fiocruz. Desde 2024 mora em Brasília e realiza sua produção profissonal online.
Publicou contos nas coletâneas são "As vidas que ninguém vê" e "Crianças Pequenas". Tem um gosto especial por escrever resenhas sobre séries coreanas e publicou algumas na Revista Intertelas, sobre assuntos dos países asiáticos com destaque para Irei quando o tempo estiver bom, que foi publicada, igualmente, na plataforma da Metamorfose.
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