por Carol Canabarro
Ser formador de opinião - influencer na era das mídias digitais - é atributo antigo de várias profissões. Isso se estende ao meio artístico e, por conseguinte, aos escritores. Para compreender pontos de vista, cresci lendo as largas folhas do jornal Zero Hora, mais precisamente as colunas de Martha Medeiros e Luis Fernando Verissimo.
Enquanto ela dava poder ("empoderada" ainda era palavra fresca no Brasil) a gurias recém-desmamadas da Capricho, ele nos arrancava um sorriso crítico-constrangedor com suas crônicas (ou seriam contos?) e tirinhas da Família Brasil. Mas, apesar de assídua leitora dominical, passei batido por Divã - faltava muito para me separar - e com antipatia pelo Analista de Bagé - só viria a fazer terapia depois de me separar.
tirinha da Família Brasil, de LFV
Deixando de lado minhas desilusões amorosas, o fato é que, como leitora, me interessava saber como aquelas pessoas, tão desenvoltas se comportavam diante de assuntos pra lá de enosados. Em suma: lia para ser influenciada. Mesmo sem saber da vida privada de um ou de outro, era a escritora e o escritor que me cativavam.
Os tempos mudaram, a tecnologia avançou a galope e coices, e com o advento das mídias sociais, dar opinião virou ter seguidor e ter seguidor virou ter profissão. Basta uma publicação viralizar e nasce mais um formador de opinião.
Hoje, interessa tanto ver a reação de alguém ao provar morango mergulhado no leite condensado e encapsulado em caramelo vermelho, quanto assistir um vídeo de cinquenta minutos produzido com pesquisa e comprometimento sobre adultização infantil. Todo mundo pode falar sobre tudo, o tempo inteiro. E, por reciprocidade, todos podem comentar o que você disser. Somos responsabilizados pela vírgula que sobra ou pela que falta inclusive as ausências propositais, como deixei passar nove palavras atrás.
Se usarmos termos capacitistas, seremos questionados sobre o porquê perpetuar estereótipos negativos, quando há um sem-fim de palavras no dicionário. No caso do racismo, além de ser acionado na justiça, precisaremos responder aos motivos de, no Século 21, acreditar na supremacia racial. Vale também para homofobia, misoginia, etarismo e demais formas que o ser humano encontrou de inferiorizar o outro.
O público, com acesso ampliado à vida profissional e privada de quem escreve, não hesitará em carregá-lo nos ombros ou esquartejar seu livro, ainda que virtualmente. Mais do que nunca, nós, artistas-escritores, estamos com a caneta no pescoço.
O que, aliás, é ótimo.
Ser escritor consiste, entre outras coisas, em ser um artesão das palavras: escolher, moldar, redesenhar e engajar cada uma até que digam o que não saberíamos dizer de outra maneira. E, mesmo quando não intencionalmente, colaboramos para a formação do pensar de nossos leitores. Mesmo sem perfil nas redes sociais, somos, acreditem, influencers.
Nossa visão de mundo, ainda que contrária à de nossas personagens, ecoa pelas entrelinhas. Pode ser romance de época, ficção científica ou cordel: nossas escolhas privadas emergem como um iceberg dando cambalhotas em plena ebulição global.
Se antes das redes os escritores já não eram imunes a seus posicionamentos, agora estão ainda mais iluminados pelas telas de celulares espertos. A exposição crescente de nossos textos anda - ou pelo menos deveria andar - de mãos dadas com a responsabilidade.
Escrevemos, praticamente em tempo real, nosso testamento. Deixamos "no papel" nosso legado para as gerações futuras, e isso é coisa séria. Sempre haverá a opção de não ser escritor e ser, apenas, um formador de opinião inconsequente. A escolha é sua. E as consequências, também.
"Somos titulares de nossas decisões", diz a frase atribuída a Martha Medeiros. Se tive a assinatura do Luis Fernando Verisssimo seria mais fácil atestar a veracidade - afinal, ele mesmo deu a receita: "Se assinarem Luiz com z, é falso. Se for contra o Bolsonaro, é meu."
E eu assino embaixo.
Carol Canabarro, apaixonada por literatura e animais. Foi atleta, garçonete, especuladora financeira, professora. Morreu duas vezes, ressuscitou em ambas. Hoje é escritora, egressa do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, autora da narrativa longa "Mirando o gol, acertando as estrelas", colunista no próprio site, aluna na pós-graduação em Literatura, Arte e Filosofia da PUC-RS e serva de quatro gatos.
Gostaria de divulgar seu trabalho nesta página? Cadastre-se na Plataforma clicando aqui.